segunda-feira, maio 29, 2006

Feia...


Calor, muito calor nesta onda vinda de África que nos tem atacado literalmente. Com este calor só dá vontade de estar junto ao mar, sentir a brisa, dormir, passear à noite.

Confesso que não tenho feito nada disso. Tenho descansado durante o dia, e só à noite ou final da tarde saio de casa. Estou cansada. O processo, esta fase final, está a dar cabo de mim, pela ansiedade, pelas papeladas, pelas consultas, etc.

Surgiu um possível problema que pode ser grave. Ainda não sei nada, só tenho os resultados esta semana. Estou mentalizada para o melhor e para o pior. Sinto muito a falta da minha mãe nesta fase. Mas ela está mais longe do que eu gostaria e desejaria. Assim ela o quis. Eu nada posso fazer.

Tento falar com ela todos os dias ao telemóvel, sempre me dá a sensação que ela está mais perto, e de que pouco mudou entre nós. É curioso como sempre tivémos conversas de mulheres, mas hoje apercebo-me muito mais disso. E a ideia de que ela pode morrer antes de mim apavora-me. A nossa ligação é tão forte que acho que nem um oceano separaria os nossos corações. Amo-te muito mãe.

Sinto que preciso de todo o apoio que consiga... Mas acabo por não ter quase nenhum. Os meus poucos amigos têm a vida deles organizada, são casados, juntos, whatever, alguns têm bebés, ou seja, é difícil conciliarem vidas complicadas com a minha própria complicação. Mas estou conformada quanto a isso. A Eduarda tem-me acompanhado nesta fase complicada da travessia da vida.

Mas será que eu quero mesmo continuar a viver? Já quis tantas vezes morrer, já tentei o suicídio, já perdi tudo o que amava... Será que vale a pena? Olho-me ao espelho e vejo uma mulher feia, a ficar velha, magra, sem formas. E esta mulher nunca sequer conseguiu atingir os objectivos a que se propunha: ter um homem que a amasse e constituir uma família.

Há quem nasça para ficar só. Acho que eu sou uma dessas pessoas. Nunca encontrei um homem que me amasse, apenas amei um que não me amava, e não consegui ser mãe. Será que vale a pena continuar viva, quando até o dinheiro mal dá para comer? Quando vivemos por favor em casa de outras pessoas? Estou muito cansada... Na realidade, prefiro deixar este mundo antes que partam as pessoas que amo, especialmente a minha mãe.

Será que vale a pena? Não me parece...

Lara-A-Escura

quarta-feira, maio 24, 2006

Um homem que me ame

Já há algum tempo que não postava nada de meu, pessoal, apesar de tudo o que posto me tocar muito profundamente, como é óbvio.

No meio de tanta coisa clínica para fazer, acabo por chegar ao final do dia completamente arrasada, desgastada. A parte final do processo de transexualidade é, sem dúvida, a pior a nível psico-emocional.

Tudo em nós mexe cá dentro. Todas as questões, velhas e novas, pressionam-nos com uma força arrasadora. E, se o apoio emocional que temos é fraco ou nulo, aí é que o gato vai às filhoses.

Nesse aspecto tenho sorte. Tenho o apoio incondicional de várias pessoas amigas, que, de uma forma ou doutra, me vão dando força. E eu vou-me aguentando, como posso.

Mas seria, para mim, muito importante o apoio essencialmente da minha mãe. E hoje, passados dois meses e tal vi-a. Vi-a ao longe, ela na varanda do terceiro andar e eu na rua. Trocámos palavras de saudade e olhares tristes. Sinto muito a falta dela. Queria usufruir da presença dela enquanto ainda aqui estamos ambas. Mas não sei se isso vai acontecer.

Sinto também falta de um homem que me compreenda, aceite, respeite e ame. Digamos que é, realmente pedir muito, então nos nossos dias. Além de que nunca soube o que é ser amada por um homem. Mas imagino que deva ser o ouro sobre azul de uma relação séria e honesta. E também tenho quase a certeza que a maioria da minha dor se aplacaria.

Na entrevista que dei ao programa exibido dia 22 na TVI, o AB...Sexo, o jornalista perguntou-me, praticamente no final:

"O que é que lhe faltava para se sentir feliz?" E eu respondi apenas: "um homem que me ame".

Ele sorriu e eu respirei fundo, como se esse homem existisse e estivesse algures à minha espera...

Lara Crespo

quinta-feira, maio 18, 2006

AB...Sexo

terça-feira, maio 16, 2006

Retrato


Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?


Poema de Cecília Meireles

domingo, maio 07, 2006

Laramie, Portugal


Fernanda Câncio
fernanda.m.cancio@dn.pt

É um fosso com mais de dez metros, cheio de água suja, num prédio inacabado do Porto. Foi aí que a encontraram: calças nos joelhos, queimaduras, sinais de espancamento. Os miúdos dizem que lhe fizeram o que quiseram durante dias - dois, três? -, que lhe arremessaram pedras e pontapés, lhe enfiaram paus no ânus, a insultaram e seviciaram até lhes parecer que já não respirava. Aí, dizem, resolveram livrar-se do corpo.

A autópsia diz que ela morreu afogada. O mais certo é, aliás, que diga ele. O corpo pescado do fosso tinha órgãos genitais masculinos e nos seus papéis o nome de Gisberto Salce Júnior, mesmo se havia seios cirurgicamente implantados e um rosto que foi o de uma mulher bonita. Na morte, talvez fosse outra coisa - um mutante, uma aberração atreita a estremecer conceitos e atrair violências.

Os miúdos têm entre 13 e 16 anos. O mais velho foi posto em prisão preventiva e libertado ao fim de dois meses - fez ontem uma semana. A investigação da PJ não consubstancia a tese de homicídio e os outros testemunharam que ele esteve lá, fez parte, mas não teve culpa.

Valerá a pena lembrar que os jovens sabem que a partir dos 16 anos se paga à séria pelos crimes. Que, como as pessoas crescidas, mentem e tanto mais quanto maior o sarilho. Mas isso nem é o que mais importa: o que mais importa é a óbvia vontade, desde o início, de não querer acreditar que seja possível um bando de "miúdos nossos" ter feito aquilo. Num país onde uma mulher e o seu irmão foram condenados a 20 anos de prisão pela morte da respectiva filha e sobrinha, uma criança cujo corpo nunca apareceu, com base numa coisa chamada "convicção", um corpo pode apresentar irrefutáveis provas de tortura e homicídio que coincidem com a confissão dos suspeitos e tudo se encaminhar para não haver culpados.

E se fossem culpados, que faríamos com eles? O que é que se faz com adolescentes que se comprazem em levar uma pessoa à agonia e em vê-la agonizar? Proíbem-se-lhes os Morangos com Açúcar e a playstation durante um mês? Obrigam-se a uma "conversa séria"? Curioso: nada transpirou do que dizem os miúdos para justificar o que confessam ter feito. Não lhes perguntaram, eles não responderam, ou a resposta é demasiado terrível?

E, no entanto, "eles têm de ser os nossos professores", como diz o padre católico em Laramie, a peça em cena no Maria Matos sobre o homicídio, em 1998, nos EUA, de um homossexual de 21 anos por dois jovens: "Como é que vocês aprenderam isso? O que é que nós, enquanto sociedade, fizemos para vos ensinar isso? Acho que seria fantástico se o juiz dissesse: 'Para além da vossa sentença, têm de contar a vossa história.'"

Fonte: Diário de Notícias Online, secção Opinião

sexta-feira, maio 05, 2006

4º Motivo da rosa


Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.


Poema de Cecília Meireles
Foto de Stan Sholik

terça-feira, maio 02, 2006

Véu negro...


Há já algum tempo que não escrevia. As palavras não fluiam e a minha mente estava obstruída por tanta mudança na minha vida. Sinceramente ainda me é muito difícil falar/escrever sobre certas coisas...

Não que haja algo propriamente de novo, mas as nuances que surgiram fizeram a mudança, toda a diferença. Já não vejo a minha mãe e o meu pai há duas semanas. Eles rejeitaram-me por completo. Já não posso contar com eles para nada, nem mesmo para uma refeição. Ou seja, dediquei-me e protegi-os durante 34 anos da minha vida, pensando que eles me iriam algum dia aceitar e respeitar, mas enganei-me. E isso fez com que adiasse toda a minha vida.

Só que esse adiamento acabou. E no dia em que eles, finalmente, se aperceberam disso, rejeitaram-me de vez. Acabou a paz podre, mas veio esta sensação de vazio que tenho no meu peito, de dor. Principalmente em relação à minha mãe, com quem sempre tive uma ligação (pensava eu) muito forte.

Um véu negro cobriu a minha face, mas não vou vergar, nem vou adiar mais a minha vida, seja por quem for, ou por causa do que for. O meu processo clínico está no final, tenho projectos a concretizar, e tenho que me curar, pois estou doente.

E nestas alturas penso em como é possível que tudo sempre aconteça ao mesmo tempo. Queria tanto, mas tanto, ser amada e amar um homem. Acho que isso suplantaria muita da minha dor. Mas tal como isso não aconteceu nem acontece, também estou desempregada e sem dinheiro.

Tenho a grande sorte de ter uma excelente e querida amiga, a Eduarda, que cuida de mim e que me deu um tecto e protecção. Deu-me carinho e amizade. E é ela que tem levado com os trancos da minha vida, por arrasto.

Curiosamente, nunca pedi muito da vida. Nunca fui muito ambiciosa. Mas cheguei a um ponto em que a pressão, a tensão constantes me consomem. Vou aguentando com a ajuda dos poucos mas muito bons amigos que tenho. E nisso tenho e sempre tive muita sorte.

E cada vez duvido menos que a força, a energia, que faz rodar o mundo é só uma: o Amor.

Lara-Triste