sábado, fevereiro 25, 2006

Gi, que a tua alma repouse em descanso


Como ainda membro da direcção da ªt e, principalmente, como ser humano e mulher transexual como Gi, venho por este meio publicar e subscrever o comunicado de imprensa da associação, que repudia toda esta situação da morte horrível e violenta que Gi sofreu no Porto, por um grupo de jovens:

Comunicado de Imprensa
da ªt. Associação para o estudo e defesa do direito à identidade de género

A “ªt.” repudia a forma brutal como a transexual Gisberta foi barbaramente assassinada no Porto por um punhado de adolescentes, que supostamente, face aos dados já conhecidos, cometeram um crime, não só cruel, como premeditado e continuado.

Por outro lado a “At” vem também publicamente, lamentar a forma como de um modo geral a comunicação social tem tratado este caso, inclusive alguns comentadores altamente responsáveis, demonstrando uma total e flagrante ignorância sobre as diferenças na terminologia que diferenciam travestis de transexuais, para não falar no cúmulo de alguns cabeçalhos que lhe atribuem descaradamente o género de homem sem atender à especificidade da pessoa em causa.

A “ªt.” preocupa-se com os discursos enunciados posteriormente por alguns funcionários de instituições sociais, que possam transparecer qualquer sentido de desculpabilização do acto perpetrado pelos adolescentes e cuja forma continuada demonstra claramente a intencionalidade do crime.

A transexual Gisberta, devido ao seu estado extremamente crítico, em que se encontrava nestes últimos tempos, estava em fase de acompanhamento por parte da associação Abraço e da “At.” e surpreende-nos que, tendo em consideração o seu estado de saúde profundamente débil, estivesse em condições físicas e psicológicas de enfrentar, confrontar e provocar um grupo alargado de jovens aparentemente saudáveis.

A “ªt”. lamenta profundamente o desenrolar desta situação, que cremos, deveria levantar outras questões de maior profundidade em matérias tais como o acompanhamento geral dos adolescentes em causa, as instituições em que se encontram inseridos, a responsabilidade e indiferença da sociedade no seu conjunto, e o desconhecimento generalizado na informação que a comunicação social fornece, particularmente neste caso, e que denigre ainda mais a situação, por si só, já extremamente sensível da pessoa assassinada, ajudando a fomentar a ignorância que a população em geral tem sobre a realidade em que os transexuais vivem.

Mas em definitivo, e o mais importante a realçar agora, é de que nada justifica este acto criminoso perpetrado contra um ser humano, independentemente da sua condição social, actividade, orientação sexual e inclusivamente de identidade de género.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2006.

Jó Bernardo

Pela Direcção

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Esquecer


Esquecer que a vida existe e voltar atrás... Ou ir em frente, tanto faz. Esquecer tudo o que nos magoou e magoa. Esquecer que um dia nascemos e renascer. Para melhor ou pior, só nos compete a nós julgar.

Vou mudar. Mudar por fora aquilo que já mudei e estou a mudar por dentro. Rumar para uma nova vida. Uma vida sem passado. Sem amores e desamores. Sem mágoas e tristezas. Provavelmente sem felicidade, mas com algumas alegrias. Pelo menos assim o espero.

Cabeleireiro, esteticista, lojas, cirurgiões, casa nova. Vou entrar por uma nova porta. Aquilo que os homens sempre desejaram de mim irão tê-lo. Vou ficar deslumbrante. Para mim e para o mundo. Vou sair do casulo. Não sei se como borboleta, mas como a Lara que nunca fui.

E se calhar nunca pensei vir a sê-la. Mas assim o decidi. E esta decisão não tem volta. Nada de ligações profundas com homens. Usá-los apenas, como eles gostam de me usar. E continuar a viver, melhor espero eu. Mais eu, que é o importante.

Preparem-se, pois "Lara is back for good".

A-Nova-Lara

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Espelho


Há dias em que não nos apetece fazer nada, nem escrever sobre nada em especial. Talvez porque a nossa própria vida nada seja de especial. E eu hoje estou assim. Decidi escrever apenas sobre algo que pulula na minha mente há algum tempo, e que é o efeito espelho.

Este efeito nada mais é do que aquilo que nós reflectimos nos outros e que os outros vêem reflectido em nós. Ou seja, eu vejo-me a mim própria de determinada maneira, mas essa visão não corresponde ao que os outros vêem em mim. E vice-versa.

Eu vejo-me feia, desinteressante, nada atraente, andrógina. Os outros, mais ou menos próximos de mim, não vêem nada disso. E dizem-mo na cara. Ou no ecrã. E sinto-me dividida entre aquilo que vejo de mim própria, e aquilo que os outros vêem.

E custa-me estar entre "o vírus e a bactéria", como dizia o Herman, pois nunca me consigo rever no espelho da minha alma. Posso tornar-me fria, agressiva, má, boazinha, sensível, calorosa, que não consigo ver aquilo que está em mim e que atrai os outros de tal forma.

Posso ver fotos, dezenas de fotos em que apareço, mas apenas gosto de me ver (diga-se de passagem que não me vejo bem a mim, mas a uma pessoa que sei que sou eu) em duas ou três. Então porquê este desfasamento tão grande entre uma suposta realidade (a dos outros), e a minha realidade?...

Lara-A-Escura

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Escuridão avassaladora...


É incrível como temos períodos na nossa vida em que a escuridão surge com uma força avassaladora... Momentos só nossos, em que cada pensamento surge à velocidade da luz... E nós somos incapazes de controlar esse movimento, esses sentimentos, esses medos ou temores.

Hoje acordei com uma pequena nuvem negra a pairar sobre a minha cabeça. Nada de especial, pensei. Mas, ao longo do dia, essa nuvem foi crescendo, com o cansaço de uma noite mal dormida e o mal-estar físico. Tentei dormir um pouco, mas os sonhos captavam com maior intensidade ainda essa escuridão.

Uma escuridão feita de uma vida rica em sentimentos, mas pobre em feedback. Feita de sonhos destruídos aparentemente sem razão, de dores de amor e paixão, de rejeição. Tudo isso impera em mim, por mais que eu não queira. Por mais que eu queira esquecer ou perdoar, há coisas que não se esquecem, e há coisas que não se perdoam.

E eu não me consigo esquecer de tudo o que tenho passado, principalmente nestes últimos três ou quatro anos. Pensava ter tudo para ser feliz: um emprego que gostava, uma casinha minha, um namorado que amava. De um momento para o outro, a mutabilidade da vida trocou-me as voltas. Perdi o namorado, a casa e o trabalho. E a escuridão veio, forte como um tsunami que me enlevou nas suas ondas.

Tentei reconstruir-me. Tentei arranjar emprego, casa, e, de início, namorado. Emprego não consegui até agora, e as hipóteses de ir para fora parecem-me cada vez mais longínquas. Sem emprego não vou conseguir voltar a ter a minha casinha, o meu espaço. E depois de muitas/algumas blind-dates, e de ter conhecido muitos/alguns homens (isto até parece algo imenso, como se me encontrasse com qualquer um, mas enfim...), acabei por ficar sozinha. Acho que me apaixonei por um, especial, que, no nosso primeiro encontro me levou às Azenhas do Mar, por saber a paixão que nutro pelo imenso oceano... Mas nem essa paixão de nada valeu.

Decidi tornar-me celibatária. Nada de homens, relações, sexo. E, mal ou bem, consegui-o até agora. Dois anos depois de ter tido um breve namoro com um homem. Resumindo, estou completamente só há dois anos. Não me sinto bem com isso, mas nada há a fazer. Não sou de chorar sobre o leite derramado, logo segui sempre a minha vida em frente. Há quem fique sozinha a vida toda, e se eu ficar, acontece.

Todas nós sabemos que, para uma mulher transexual, é muito mais difícil encontrar um relacionamento sério do que para as mulheres biológicas. Ele é a vergonha de namorar uma trans, ele é o medo da reacção da família e amigos, ele é o complexo do falo... Enfim, uma panóplia de coisas que nunca mais acaba. Só que ninguém se lembra que nós não pedimos para nascer assim, apenas aconteceu.

Sendo assim, nada mais me resta acrescentar a não ser que cheguei ao fim do caminho. Do meu caminho. Sou, fui, e serei sempre a Lara. Nasci assim e tenho muito orgulho em ser quem sou. Apenas há momentos na nossa vida, como referi no início, em que a escuridão avassaladora toma conta de nós. E aí apenas há uma saída. E eu já escolhi a minha. Beijos a tod@s, do fundo do coração.

Lara-A-Escura

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Escura...


Há noites e dias em que nos sentimos assim. Sentimo-nos escur@s. Quase sem razão, quase sem motivo, camufladas dentro de nós as existências dessa escuridão. E é assim que me sinto hoje, que me tenho sentido.

É como se tivesse um turbilhão de coisas para deitar para fora, como se o meu peito fosse explodir de dor, de sofrimento, de desilusão... Como se eu não fosse outra coisa além de um enorme saco de pancada e, ao mesmo tempo, um enorme saco que se encheu de sentimentos. O saco de pancada serve para todos aqueles que não me respeitam, e o saco que se encheu serve para todos os que despejaram em mim os seus sentimentos, ou falta deles.

Estou desiludida com o mundo. Desiludida comigo própria por não reagir como deveria reagir às agressões externas (e internas). Desiludida por nada estar a correr como eu gostaria.

Os meus pais agem com um manto de desgosto e vergonha a quem eu sou. E isso dói-me. E muito. Dediquei-me a eles durante os meus 34 anos de vida, e agora, que preciso deles mais do que nunca, viram-me as costas e dizem-me "não". Nada que eu não estivesse à espera, e até nada que eu não compreenda, devido à idade e educação de ambos. Mas estar à espera não significa aceitar placidamente essa atitude. E eu não aceito. Choro.

No meu interior dá-se a guerra dos mundos. Dos meus mundos. Tão grandes e infinitos como o próprio infinito. Entre o que sou fisicamente agora, e do que poderei ser em breve. Mas um breve um pouco longo. Sim, que nada se faz de um dia para o outro. E eu castigo-me. Puno-me por não ter nascido biologicamente mulher, e por me sentir a "criar uma personagem", mais do que a ser eu própria. Enfeito-me para o olhar de quem? Para o meu, no espelho, ou para o dos outros?

E estou sozinha emocional e amorosamente. Isto não ajuda nada, devem pensar vocês, e é verdade. Mesmo que eu não queira reconhecer, é a verdade nua e crua. Até os médicos no hospital me disseram que se estivesse preenchida emocionalmente isso me ajudaria e muito. Mas a realidade é que não estou. Não passo de uma celibatária auto-induzida, que se martiriza dia-a-dia por estar sozinha. Será que isto faz sentido? Talvez não, se virmos que sou uma mulher como outra qualquer. Talvez sim, se eu me vir como uma criatura aberrante de androginia, e queira quebrar todos os espelhos em que me vejo reflectida.

Nestes dias de amargura, apenas a presença amiga de uns e umas pouc@s amig@s aplacam a minha dor. Estou muito cansada, apesar de fisicamente e biologicamente estar a recuperar bem. Só que o meu cansaço é outro, e já nem sei o que fazer, além de dormir demais. Sei que não devo pensar tanto nas coisas, mas não consigo evitar, faz parte da minha natureza. Como faz parte da minha natureza ser negativa, pessimista, e, acima de tudo mulher. Apesar de escura...

Lara-A-Escura

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Felicity Huffman na corrida aos Óscares


Pela primeira vez nos últimos tempos, escrevo um post menos pessoal. Mas não podia deixar de destacar a nomeação de Felicity Huffman (que nós cá conhecemos pelo seu papel em "Desperate Housewives") para o Óscar de Melhor Actriz Principal pelo seu desempenho como uma transexual feminina em "TransAmerica".

Depois de vários prémios, incluindo o Globo de Ouro para Melhor Actriz neste papel, Felicity Huffman é a primeira a chegar aos Óscares no papel de uma transexual pré-operada (isto se eliminarmos a nomeação para Melhor Actor Secundário de Jaye Davidson, que interpretou magistralmente uma transexual em "The Crying Game", 1992).
Destaco também a segunda nomeação de "TransAmerica", que é para a Melhor Canção Original, "Travelin' Thru", música e letra de Dolly Parton.

E parece que este ano, os Óscares serão muito "gay-friendly". Não posso deixar de realçar as oito nomeações de "Brokeback Mountain", de Ang Lee, o tão falado e esperado "western gay", que consegue assim mais uma vitória, depois de todos os prémios que já ganhou.

Quem quiser saber todos os pormenores sobre a lista de nomeações, basta clicar AQUI

Beijinhos "óscarianos",

Lara